É comum vermos uma menina a usar cor-de-rosa, a divertir-se com bonecas, e um menino vestindo de azul, a brincar com carrinhos. E se invertêssemos os papéis de género? O que poderá significar numa criança uma fuga aos comportamentos típicos do próprio género e quais as implicações no seu desenvolvimento? São questões que alguns pais, por vezes, se deparam quanto ao comportamento dos seus filhos. Este artigo sobre os papéis de género poderá ajudar a clarificar algumas dessas questões.
Aprendizagem começa na infância
Os papéis de género são desenvolvidos pela própria criança ao longo da sua infância, através do processo de construção da sua identidade. É importante, ao longo desse processo, incentivar o diálogo entre pais e filhos. Deste modo, a criança irá sinta-se apoiada pelas pessoas que lhe são mais próximas para que no futuro seja um adulto plenamente desenvolvido.
A sociedade exige que adotemos determinadas atitudes e comportamentos para nos inserirmos nela, e é desde cedo que a aprendizagem dessas diretrizes começa. Uma delas está relacionada com os papéis de género, em que são esperados determinados comportamentos e atitudes, baseados em estereótipos pré-existentes. No entanto, por vezes, existem fugas a esse tipo de comportamentos esperados, situação que geralmente provoca na criança problemas sociais e desorganização emocional. Como tal, é importante clarificar qual o modo de agir face a estas fugas de comportamentos pré-definidos e qual a posição a adotar relativamente aos mesmos.
Noção de género
Importa, desde já, clarificar a noção de “género”. Existe uma multidimensionalidade de fatores e caraterísticas que definem a pessoa, sendo o sexo uma delas, podendo ser, quanto à tipificação, feminino ou masculino. Contudo, é redutor pensarmos que a noção de “género” pode cingir-se apenas à sua componente biológica, pois é importante considerar outras características, sendo estas as principais que definem a pessoa:
- Componente biológica (sexo)
- Orientação sexual
- Papéis de género
- Caraterísticas da personalidade
- Competências pessoais
- Interesses
São elas que nos ajudam no processo de construção do género e que nos permite diferenciar das outras pessoas.
Sexo e papéis de género
Por vezes existe uma confusão entre os dois conceitos, o sexo e o papel de género. O primeiro refere-se à componente biológica, anatómica e fisionómica da própria pessoa. Já o papel de género pode ser definido como sendo a perceção da pessoa acerca de si mesma, enquanto género feminino ou masculino, não estando estes dois conceitos intrinsecamente dependentes um do outro.
Importância dos papéis de género no desenvolvimento da pessoa
A perceção do papel de género é adquirida logo na infância, onde se desenvolve a capacidade para identificar o próprio género e o dos outros. Consoante a criança cresce, apercebe-se também das diversas variantes e dimensões que compõem o seu papel de género, tais como, características físicas, comportamentos típicos ou orientação sexual.
De acordo com alguns estudos feitos na área, a criança constrói este papel de género até aos 7/8 anos, para depois nos anos seguintes a consolidar. Esta perceção da criança pode ser influenciada e implementada por diversos fatores, entre eles a convivência com os seus pais e pessoas próximas, e a própria sociedade em que se insere (em que se destacam nos dias de hoje os meios de comunicação social). Assim, para além do fator biológico, o papel de género tem também uma componente social e cultural, uma vez que as pessoas reagem de modo diferente se uma criança é uma menina ou um menino.
Como tal, é muito importante que a criança defina o seu papel de género, não só para organizar o seu mundo social, mas também para efetuar uma correta avaliação de si próprio e dos outros. Outro fator que a criança desenvolve a partir do seu papel de género é a sua capacidade de socialização, uma vez que o modo como de se comporta, de acordo com o seu género, ajuda nas relações com os outros. Inicialmente a aquisição de estereótipos é feita de forma rígida pela criança, ou seja, ela identifica claramente as caraterísticas típicas de cada género e comporta-se de acordo com o mesmo.
No entanto, ao longo do seu crescimento, a rigidez torna-se dá lugar à flexibilidade, em que a criança começa a ter a perceção das suas próprias caraterísticas individuais e complementa-as de acordo com a sua identidade de género. Esta flexibilidade é também aplicada à visão que tem dos outros que a rodeia, não estando tão suscetível a adotar determinados estereótipos de género.
Há a salientar que este processo é complexo porque implica uma grande variedade de fatores, de modo que a criança deve encontrar o equilíbrio entre o que é esperado do seu comportamento e as suas próprias caraterísticas e interesses pessoais.
Estereótipos nos papéis de género
Perante um conceito tão amplo e complexo, a tendência é generalizar algumas caraterísticas presentes no papel de género feminino e masculino, tornando desta forma mais simples perceber a diferença entre um ou outro. Para cada género existem diversas crenças de caraterísticas associadas a homens e mulheres. Estas diferenças podem ser relativas a vários contextos, tais como, determinados traços de personalidade, caraterísticas físicas ou até escolhas profissionais. Aliás, desde que os pais sabem o sexo do seu filho que existe logo uma tendência para o educar de acordo com esses estereótipos, por exemplo, na compra de brinquedos e roupa. De acordo com estas crenças, traços de personalidade como independência, competitividade, agressividade e dominância estão mais associados ao género masculino. Já as caraterísticas como sensibilidade, emoção, gentileza e empatia são mais associadas ao género feminino.
Dificuldades no processo de construção dos papéis de género
A existência de estereótipos de papéis de género na nossa sociedade ajuda na construção inicial da identidade de género da própria criança. No entanto, também pode ser desvantajoso por ter um caráter muito rígido.
O processo de desenvolvimento do papel de género é feito a partir do próprio ritmo da criança e esse processo de autoconhecimento tem consequências para o seu futuro, tanto a nível pessoal como social. Um dos exemplos que poderão interferir com este processo são os próprios estereótipos de género, na medida que pressionam a criança a comportar-se de uma determinada maneira e a ter interesses de acordo com o esperado para o seu género.
E é a nível social que a influência destes estereótipos pode tornar-se mais desvantajosa por potenciar conflitos com os seus significantes mais próximos, quando não são cumpridos os comportamentos esperados, por exemplo, com os seus colegas de escola.
Como os pais podem ajudar
O processo de construção do papel de género é fundamental para a consolidação emocional da pessoa, e visto que é logo na infância que esta se começa a formar, é fundamental que a criança sinta que esse processo é acompanhado e apoiado pelas pessoas que lhe são mais próximas.
Apesar de ser importante os pais implementarem alguns estereótipos de género na educação dos seus filhos, para tornar este processo mais simples (por exemplo, a partir dos brinquedos escolhidos), é também importante que se valorizem os próprios interesses e traços de personalidade da criança. Deste modo, a criança encontra um equilíbrio com o seu papel de género, sem se sentir demasiado pressionada a adotar determinados comportamentos e atitudes estereotipadas, perdendo assim a sua própria individualidade.
Como os pais podem ajudar? Existem algumas medidas que os pais podem adotar no seu dia-a-dia para ajudar os seus filhos neste processo:
- Torne o quarto ou o espaço de brincadeira do seu filho num ambiente alegre em que não exista apenas um tipo de brinquedos específico de acordo com o seu género (por exemplo, peças de construção ou brincadeiras de faz de conta), deste modo, expondo-os a diferentes combinações de brinquedos de meninos e meninas;
- Evite os comentários estereotipados quanto ao comportamento do seu filho/filha (por exemplo, “os meninos não choram” ou “as meninas portam-se bem”);
- Questione e discuta os estereótipos dos seus filhos (por exemplo, “aquele menino gosta de brincar às casinhas” ou “aquela menina gosta de jogar à bola”);
- Exponha os seus filhos a modelos contrários aos estereotipados (por exemplo, uma mulher polícia ou um homem enfermeiro);
- Organize grupos de brincadeiras que integrem tanto meninas como meninos, de modo a proporcionar ao seu filho uma oportunidade de interagir e aprender com os dois géneros.
Importa acrescentar que os pais podem ainda usar o elogio como ferramenta fundamental no melhoramento da autoestima e autoconfiança do seu filho/filha.
Contudo, a ajuda de um profissional, com formação em psicologia, pode ajudar. Na PsicoAjuda disponibilizamos serviços adequados a esta problemática, com vista a possibilitar um bom desenvolvimento na construção do papel de género da criança, ajudando-a no processo de autoconhecimento.
Ana Margarida Rogeiro / Psicóloga e Psicoterapeuta
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