Efeito dos videojogos nas crianças, o que fazer?

Efeito dos videojogos nas crianças, o que fazer?

Em Psicologia adolescentes por Elisabete Condesso

Estudos recentes sobre o efeito dos videojogos apontam quer benefícios positivos, quer consequências negativas. Afinal, o que devemos fazer: permitir, proibir ou limitar o acesso aos videojogos?

(Este artigo foi inicialmente publicado na revista Pais&Filhos, no. 320, edição de setembro de 2017, pag. 60-62 e agora reeditado e atualizado no site)

Artigo Pais&Filhos Videojogos sim ou não
Artigo Pais&Filhos Videojogos sim ou não

O que são os videojogos: uma forma única de entretimento

Os videojogos são uma forma única de entretimento, muito atrativa porque encorajam os jogadores a fazerem parte da história do jogo, desempenhando um determinado personagem. E, porque são interativos, permitem que os jogadores definam e controlem o desenrolar da história.

A grande atração pelos videojogos advém também do facto do jogador ter que ultrapassar níveis progressivos de dificuldade e, para isso, precisa de utilizar diversas estratégias. O jogador tem que aprender, numa abordagem de tentativa e erro, como ultrapassar as dificuldades de determinado nível e evolui à medida que a sua personagem consegue cumprir determinadas “missões”, utilizando para isso competências específicas.

Além disso, nos jogos online, os jogadores são incentivados a interagir e a colaborar entre si, com o fim de cumprirem as “missões”. Nos jogos mais populares, os jogadores alcançam os próximos níveis ganhando combates ou batalhas, em que são “recompensados” por praticarem atos violentos. Estes jogos obrigam os jogadores a um nível de atenção constante ao jogo, implicando um elevado envolvimento físico e emocional.

Os avanços na tecnologia permitem que os jovens tenham acesso não só aos videojogos no computador pessoal e na consola, como também no tablet, smartphone e consolas portáteis.

O que dizem os estudos sobre o efeito dos videojogos

As estatísticas mostram que 97% dos adolescentes nos Estados Unidos jogam videojogos. Um estudo realizado recentemente na Irlanda mostra que, na faixa dos 8-11 anos, as crianças jogam videojogos mais de 11 horas por semana (em média, mais de 1,5 horas por dia); na faixa dos 12-14 anos, esse número sobe para mais de 15h (em média, mais de 2 horas por dia). Um outro estudo mostra serem os rapazes aqueles que jogam mais frequentemente e durante mais tempo. Um dado significativo é verificar que atualmente há uma tendência crescente para as crianças e adolescentes jogarem videojogos, quer em maior número (mais crianças), quer no aumento de horas despendidas.

Se tinha alguma dúvida sobre a importância dos videojogos na vida dos nossos filhos, estes números mostram que os mesmos ocupam um espaço muito alargado.

Efeito dos videojogos será saudável ou prejudicial?

Face ao número alargado de crianças e adolescentes que usam os videojogos como forma de entretenimento, é de primordial importância sabermos o efeito dos videojogos, se eles são saudáveis ou se, afinal, tratam-se de elementos nocivos e prejudiciais no desenvolvimento dos nossos filhos.

Os diversos estudos sobre o efeito dos videojogos permitem concluir, sem qualquer margem de dúvida, que os mesmos conduzem a alterações em termos do desenvolvimento fisiológico, psicológico e cognitivo. Contudo, existe muita controvérsia sobre se essas alterações são positivas ou negativas.

“É improvável que saibamos todas as respostas sobre o verdadeiro efeito dos videojogos”, refere a Dr. Claire McCarthy, professora assistente de pediatria na Universidade de Harvard.

Adolescente a jogar um videojogo
Adolescente a jogar um videojogo

Efeito dos videojogos: vantagens na aquisição de competências e capacidades

É impossível analisar o efeito dos videojogos sem considerar os seus efeitos positivos, designadamente na melhoria das competências de perceção e atenção visual, reconhecimento visio-espacial e competências espaciais.

Várias pesquisas exploraram o estudo destas características numa perspetiva de aprendizagem dos jogadores. Desse ponto de vista, têm emergido videojogos com uma vocação orientada para a aprendizagem nas universidades, empresas e instituições militares (é o caso dos jogos para aprendizagem de técnicas de gestão estratégica ou simuladores de anatomia humana). Além disso, também são usados em diversas situações de fisioterapia ou terapia ocupacional (por exemplo, em pacientes jovens a fazer tratamentos invasivos de cancro).

Um estudo recente realizado por Andrew Przybylski, investigador e professor associado na Universidade de Oxford, sugere que os videojogos quando praticados em pequenas doses, são uma forma válida e valiosa de “jogar”. Segundo este investigador, “os videojogos têm funções salutares similares às outras formas tradicionais de jogar e representam uma oportunidade para o desenvolvimento, assim como estimulam ao nível cognitivo e social”.

Contudo, apesar de alguns efeitos positivos, nada no estudo suporta a posição de que os videojogos são a solução universal para os desafios de desenvolvimento e estilo de vida moderno. Ele aponta, sobretudo, para o facto de a prática de videojogos ser menos negativa do que se pensava.

Assim, neste capítulo, só temos que usar o senso comum. As crianças podem jogar videojogos, mas temos que assegurar que elas estão o tempo suficiente longe dos mesmos, pois elas precisam de desligar-se deles e devem privilegiar outras formas de jogar, em particular as que requerem uma forma de interação interpessoal.

Efeito dos videojogos: tempo de exposição é um parâmetro determinante

Há uma evidência consistente para que apontam todos os investigadores: o efeito dos videojogos é negativos quando os videojogos são praticados em excesso (mais de duas a três horas diárias).

Diversos estudos comprovam que as crianças que passam mais de metade do seu tempo livre diário a jogar videojogos mostram um ajustamento negativo. No estudo de  Przybylski “Electronic Gaming and Psychosocial Adjustment”, quando as crianças jogam mais de 3 horas apresentam as seguintes dificuldades:

  • Problemas de internalização: sintomas emocionais, problemas de relacionamento com os outros (dessensibilização com aumento da agressividade física e diminuição da empatia).
  • Problemas de externalização: problemas de comportamento (aumento da agressividade), hiperatividade e falta de atenção.
  • Baixo nível de comportamento pro-social: falta de empatia e desejo de ajudar os outros.
  • Baixa satisfação com a vida: ao nível de felicidade na escola, família e amigos.

As dificuldades referidas são sentidas de forma diferente e dependem das características individuais das crianças. Por exemplo, a prática de um videojogo violento pode reforçar ou exacerbar um comportamento agressivo ou um estado de ansiedade pré-existente. Observa-se também que alguns traços particulares de personalidade são mais propensos à adição aos videojogos.

Efeito dos videojogos, tempo de jogo é determinante
Efeito dos videojogos, tempo de jogo é determinante

Efeito dos videojogos: idade, acesso e violência são outros parâmetros determinantes

A idade do jogador é outro aspeto importante. As crianças mais jovens são mais suscetíveis a codificarem comportamentos agressivos, uma vez que tendem a imitar os outros. São também elas que tendem a manifestar mais efeitos de longo-prazo, ao contrário dos jogadores mais velhos, onde se observam mais efeitos de curto-prazo.

Há que considerar também o acesso o acesso aos videojogos. As crianças que têm as consolas de jogos nos seus quartos jogam mais minutos por dia.

Outro aspeto é o nível de violência. Diversos estudos mostram que os participantes que jogaram videojogos violentos revelaram um comportamento mais agressivo, afetando a cognição e empatia. Além disso, os jogadores com maior exposição a videojogos violentos têm demostrado menor atenção ou falta de sensibilidade ao sofrimento dos outros.

No que diz respeito ao acesso e violência dos videojogos, é relevante referir que existe falta de controlo parental neste dois pontos, o que tem aumentado o risco da criança demonstrar comportamento antissocial durante a adolescência.

Há ainda a salientar a redução do desempenho escolar, com consequente aumento do insucesso escolar. Aqui verifica-se um efeito de deslocamento, onde o tempo despendido nos videojogos reduz o tempo dedicado às atividades escolares, conduzindo à diminuição do desempenho escolar.

Alguns estudos sugerem que os videojogos poderão estar associados à falta de atenção ou diminuição da atenção, o que também influencia negativamente o desempenho escolar.

Adição aos videojogos em vias de ser classificada como doença pela OMS (Organização Mundial de Saúde)

A Associação Americana de Psiquiatria (APA, American Psychiatric Association), incluiu o “Transtorno do Jogo pela Internet” (IGD, Internet Gaming Disorder) na última edição DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual), embora tenha sido incluído no capítulo de “para estudos futuros”, o que significa que ainda não é um transtorno oficialmente reconhecido. Mais recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs a inclusão do “Transtorno do Jogo” (Gaming Disorder) na próxima edição da Classificação Internacional de Doenças” (ICD-11, International Classification of Diseases, edição 11).

Alguns conselhos para pais: acima de tudo use o seu bom senso

Eliminar os videojogos não é uma opção. Mas pode seguir os seguintes conselhos para eliminar ou diminuir os impactos negativos dos videojogos:

  • Verifique se a classificação do videojogo é adequado à faixa etária.
  • Não permita que o equipamento esteja no quarto do seu filho. Lembre-se que, para além da consola, deve prestar atenção ao computador, tablet e smartphone.
  • Defina limites adequados à faixa etária, quer relativamente a quantas vezes por semana, quer ao tempo de jogo.
  • Supervisione o acesso à internet – há muitos jogos “online” ou que podem ser descarregados para o PC, Tablet, Smartphone.
  • Fale com os seus filhos sobre os videojogos que eles jogam e outros conteúdos que eles gostem de ver. É uma oportunidade de aproximação.
  • Partilhe informação com outros pais sobre videojogos e outros conteúdos.

Em suma, temos que usar o bom senso e contribuir para um desenvolvimento equilibrado das crianças, ao nível fisiológico, psicológico e cognitivo, assegurando que elas estão longe dos videojogos o tempo suficiente e possam dedicar-se a outras atividades igualmente essenciais para um desenvolvimento saudável.

Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta

© PsicoAjuda – Psicoterapia certa para si, Leiria

Sobre o Autor

Elisabete Condesso

Directora clínica da PsicoAjuda. Psicóloga clínica e Psicoterapeuta. Licenciada em Psicologia Clínica pela ULHT de Lisboa e com pós-graduação em Consulta Psicológica e Psicoterapia. Membro efetivo da Ordem dos Psicólogos. Título de especialista em “Psicologia clínica e da saúde” atribuído pela Ordem dos Psicólogos.