Quando contar que o Pai Natal não existe?

Quando contar que o Pai Natal não existe?

Em Psicologia Infantil por Elisabete Condesso

Quando contar que o Pai Natal não existe? É a pergunta que muitos pais fazem a si mesmos.  Saiba qual é a melhor altura de contar que o Pai Natal não existe e como fazer essa revelação.

Crença no Pai Natal é um dilema para os pais

Muitas são as personagens fantasiosas que fazem parte da nossa cultura e que alegram as crianças. O Pai Natal é uma delas. Só que, ao contrário de outras personagens, como o coelhinho da Páscoa ou a fada dos dentes, que povoam o imaginário das crianças, o Pai Natal assume-se como uma personagem bem mais real.

Além disso, a crença do Pai Natal é algo que está muito enraizado na nossa cultura. Torna-se, por isso, não só necessário, como até pode ser benéfico manter essa tradição. Porque desde cedo os nossos filhos são confrontados com a história do Pai Natal, e muito provavelmente, não se imagina negar ao seu filho uma história que toda a sociedade, em particular familiares e amigos confirmam de forma persistente.

Mas, a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, os seus filhos começarão a questioná-lo sobre a existência do Pai Natal, com perguntas do género “como é que ele sabe quais são os presentes que todas as crianças querem?” ou “como é que ele consegue ter presentes para todas as crianças?”, e claro, inevitavelmente, “como é que ele consegue entregar presentes no mundo inteiro numa só noite?”, pois as crianças começam a vislumbrar que a realidade que já apreenderam não é consistente com a história do Pai Natal.

Pai Natal não existe, perigos e desilusões que os pais têm que evitar

De facto, a crença do Pai Natal é um motivo de uma verdadeira ginástica e, por vezes, angústia, para os pais, com o receio de que o encanto possa um dia ser estragado. Tememos o momento de desilusão e tristeza, estampado no rosto do nosso filho, no dia em que ele chegar a casa e disser que o amiguinho contou-lhe que o Pai Natal não existe. Ou, acima de tudo, que ele se vire para nós e diga: “Mentiste para mim! O Pai Natal não existe”. Logo nós que defendemos a todo o custo que mentir é feio. É a nossa credibilidade enquanto pais que pode estar em causa. Então, como agir?

Desilusão de saber que o Pai Natal não existe
Desilusão de saber que o Pai Natal não existe

A primeira dúvida que os pais têm é se o confronto da criança com a desilusão da verdade sobre o Pai Natal pode prejudicar o seu desenvolvimento. As opiniões dividem-se no meio cientifico. Sobretudo na sociedade americana existe grande controvérsia sobre “a sustentação da existência do Pai Natal reafirmada pelos progenitores”. Alguns autores, como o Dr. David Kyle Johnson, professor de filosofia no Colégio de Cristo Rei (King’s College) na Pensilvânia, Estados Unidos, e autor do livro “Os mitos que roubaram o Natal” (The Myths that Stole Christmas), chega mesmo a afirmar que a mentira do Pai Natal deve ser evitada de todo.

Não creio que seja essa a abordagem correta, mas há alguns perigos a evitar. Dr. Clifford N. Lazarus, diretor clínico do Instituto Lazarus em Nova Jersey, Estados Unidos, chama a atenção para a situação de “expormos uma criança a ideias delirantes, sistematicamente, até uma certa idade, pois influencia o seu desenvolvimento psicológico, e embora o seu efeito não seja ainda totalmente conhecido, suspeita-se que provavelmente é negativo.”

E vai mais longe ao referir que se o Pai Natal é real, como repetidamente nós adultos, bem-intencionados, reafirmamos, então porque o Homem das Neves, o Lobisomem, ou outros monstros que vivem na nossa fantasia, não podem ser verdadeiros? Ele vê aqui uma contradição, porque os adultos consistentemente negam a existência de monstros sobrenaturais enquanto, ao mesmo tempo, afirmam a existência mágica do Pai Natal. E relembra que as crenças em feitiços, rituais, leitura da mente, e outras crenças supersticiosas e irracionais, frequentemente, são as componentes principais do Transtorno Obsessivo-Compulsivo e outras psicoses, embora descarte que essas crenças mágicas numa idade muito precoce possam causar distúrbios psicológicos. Contudo, daqui conclui-se que os pais devem evitar a estimulação desnecessariamente da credulidade em fenómenos supersticiosos e irracionais.

Não prolongar a mentira

Por isso, o meu conselho é que a criança seja confrontada com a realidade da vida o mais cedo possível, que é o mesmo dizer, não prolongar desnecessariamente a ideia da existência fantasiada do Pai Natal. O Pai Natal não existe, não é real.

Além de que, tenho conhecimento pessoal de muitas crianças que ficaram amargamente desapontadas e desiludidas, por não terem recebido o presente que desejavam e esperavam, apesar de terem sido boas o ano inteiro e terem dito ao Pai Natal “pessoalmente” o que realmente queriam no Natal. Daqui pode resultar a deceção da criança e diminuição da sua autoestima, por simplesmente concluir que afinal não foi merecedora do que mais queria.

Para além de uma questão do foro psicológico, trata-se também de uma questão de confiança. Será que realmente precisamos de minar a solidez da preciosa confiança das crianças nos pais e adultos? Tive conhecimento de histórias horríveis da descoberta da verdade sobre o Pai Natal. Por exemplo, o “António” defendeu a existência do Pai Natal em frente de toda a turma na mera base de que a sua “mãe não mentiria”.

Deste modo, o meu conselho é que, quando a criança estiver preparada, os pais não devem vacilar em enfrentar a situação: têm que começar a “desmontar” a existência fantasiosa, inocentes e infantil do Pai Natal. Caso contrário, arriscam-se a estimular desnecessariamente a credulidade, bem como a prejudicar a confiabilidade parental.

Será que já chegou o dia de contar a verdade que o Pai Natal não existe?

Muitos pais ficam hesitantes e inseguros, ou até mesmo receosos, dado não saberem qual a melhor estratégia a seguir: continuar a alimentar a fantasia das crianças ou contar a verdade? Será que já cresceram o suficiente e está na altura de saberem que o Pai Natal não existe?

Do ponto de vista psicológico, as dúvidas e questões colocadas pela criança acerca da existência do Pai Natal, são indicativas do seu bom desenvolvimento cognitivo. Jogos e brincadeiras, fantasias, imaginação, tudo isso predomina na vida de uma criança, e é essencial para o seu desenvolvimento cognitivo.

Pai Natal faz parte do imaginário da criança
Pai Natal faz parte do imaginário da criança

Desde bastante cedo, a criança começa a acreditar em seres impossíveis, personagens imaginárias, que acredita serem dotados de poderes sobrenaturais, como animais que falam, fadas que voam, pessoas invisíveis, etc. Fazem parte do seu mundo de fantasia, a partir do qual a criança se vai relacionando com a realidade e se apropria dessa mesma realidade. Assim, a história do Pai Natal evolui conjuntamente com a evolução do seu mundo de fantasia.

Chegado o momento há que dizer que o Pai Natal não existe, é uma fantasia

Segundo Jacqueline Woolley, professora e presidente do Departamento de Psicologia da Universidade do Texas, acreditar em seres sobrenaturais e imaginários como o Pai Natal, trás benefícios para o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, e pode fomentar competências como o raciocínio.  Esta especialista que estuda a compreensão das crianças sobre a realidade, afirma que o pensamento necessário que envolve a distinção entre o possível e o impossível, está na raiz de todas as descobertas e invenções, desde a medicina até à odisseia espacial, por isso o “faz de conta” deve ser incentivado, ainda mais no mundo de hoje que é extremamente complexo.

Só que, ao longo do desenvolvimento da criança, observa-se a ascendência do pensamento racional em detrimento de uma menor predominância do pensamento imaginário. Ou seja, acreditar no Pai Natal é perfeitamente natural até uma certa idade, mas chega o momento em que a criança aprende implicitamente que alguns factos não podem ser verdadeiros, dado determinados elementos da fantasia entrarem em contradição com a realidade.

Dessa constatação surgem as questões da criança sobre “como é que ele consegue entregar presentes no mundo inteiro numa só noite?”, pois ela sabe que o mundo é demasiado grande e tem imensas pessoas, o que tornaria a missão do Pai Natal de visitar todas as crianças (praticamente) impossível. Esta e outras dúvidas da criança sobre a existência do Pai Natal, surgem a partir da sua aprendizagem da realidade. Isto significa que persistir na mentira sobre a existência do Pai Natal, não ser uma hipótese possível. Deste modo, chegada essa fase do seu desenvolvimento, a criança precisa de mudar a forma como acredita no Pai Natal. Ela precisa de entender que se trata de uma fantasia, que o Pai Natal não existe.

Como e quando contar a verdade

Então, como e quando devemos contar “a verdade” à criança, que o Pai Natal não existe? Não há um consenso na Psicologia. Contudo, as diversas opiniões convergem no sentido de que sim, deve-se alimentar a fantasia, a criatividade da criança, mas quando ela começa a procurar as respostas, os pais devem ser “os facilitadores” na descoberta da verdade. Eles desempenham um papel fundamental, ajudando a criança a transitar da imagem fantasiosa do Pai Natal, para a mensagem que está incutida nessa figura, os princípios do altruísmo, da generosidade e bondade, que é o que realmente importa.

Se o seu filho não quer continuar a acreditar no Pai Natal, é seu dever esclarecer todas as suas dúvidas. Seja sincero. Não tenha receio, pois nada de mal irá acontecer por o seu filho deixar de acreditar no Pai Natal. Pelo contrário, este é um claro sinal da sua maior maturidade. Ele está a crescer, a desenvolver-se. E o Pai Natal não vai deixar de existir totalmente. Isso sim, a imagem fantasiosa do senhor das barbas brancas, irá dar lugar ao espírito de Natal, os sentimentos de ajuda ao próximo, que o seu filho deve cultivar. Por outras palavras, há que transformar a história fantasiosa do Pai Natal numa série de boas ações a serem desenvolvidas diante do espírito de Natal.

Transformar a história do Pai Natal em boas ações
Transformar a história do Pai Natal em boas ações

A minha sugestão é de que deve contar sempre o necessário, em consonância com o que ele já sabe. Deste modo, comece por perguntar ao seu filho o que sabe sobre o Pai Natal. Depois, conte-lhe aos poucos a verdade. Não é adequado contar tudo de uma vez. Pode contar-lhe aos poucos que, embora não exista o Pai Natal, existe a missão de ajudar as outras pessoas, de não sermos egoístas, do auxilio ao próximo, da solidariedade.

Exemplo de diálogo

Pode contar a verdade usando um diálogo como este:

“Cresceste muito este ano. Estás mais alto. E vejo que o teu coração também cresceu.”

(Indique 2-3 exemplos de boas ações e comportamento empático que tenham ocorrido no último ano: boa relação com os irmãos e amigos, bom comportamento na escola e em casa, sentimentos de solidariedade com os outros, etc.). Pode acontecer que o seu filho, quando questionado sobre as boas ações e comportamentos empáticos, admita que ainda não está preparado, pelo que deve ajustar esta recomendação, por exemplo, propondo que melhore o seu comportamento e adiando a conversa para uma outra altura.

“Na verdade, vejo que o teu coração cresceu tanto que estás preparado para saber a verdade sobre o Pai Natal. Alguns dos teus amiguinhos ainda continuam a acreditar que o Pais Natal existe. Dizem isso porque ainda não estão preparados para saber a verdade, mas tu estás!”.

E pode continuar referindo que ele está preparado para o “espírito de Natal” e, por isso, irá fazer o seu primeiro trabalho nesse Natal. Por exemplo, pode escolher uma criança que conheça – primo, colega ou vizinho – e a missão é descobrir secretamente algo que ela precise. Em seguida, o seu filho irá ajudá-la a ser o “Pai Natal” entregando-lhe uma prenda. É uma missão altruísta que certamente nunca irá esquecer.

A minha experiência pessoal

O meu filho mais velho, tinha quase cinco anos, quando afirmativamente colocou-me a seguinte questão:

“O Pai Natal não existe, pois não?”

Uauuu, não estava à espera daquela pergunta, e ainda mais dita daquele modo tão convicto. Eu não tinha forma de escapar à evidência. O meu filho tinha crescido e eu não podia continuar a manter a história do Pai Natal. Expliquei-lhe com o maior carinho que o Pai Natal não existe como aparece nas nossas histórias, mas existe o espírito do Natal, de ajudarmos os outros, da solidariedade, … É claro que ficou um pouco desapontado, dizendo que tínhamos mentido para ele. Respondi-lhe que não era bem uma mentira, era uma espécie de mistério. Agora que estava bem crescido, já podia compreender isso. Era uma forma de deixar a infância para trás, mas com memórias bem divertidas e vivas, que iriam ficar para sempre.

Ele ficou muito pensativo. Na verdade, até ficou muito orgulhoso por estar-se a despedir da infância. No dia seguinte, ele veio contar-me que o seu melhor amigo ainda acreditava no Pai Natal: “Ele ainda acredita, mas eu não disse nada. Vou deixar que ele descubra. Não quero estragar a sua despedida da infância.” Compreendeu bem a minha explicação.

É gratificante saber que os meus filhos, quando forem adultos, terão muitas histórias mágicas da infância para contar aos seus próprios filhos. Espero que os seus filhos também tenham as suas! E sempre imbuídos com o “espírito de Natal”.

Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta

© PsicoAjuda – Psicoterapia certa para si, Leiria

Sobre o Autor

Elisabete Condesso

Directora clínica da PsicoAjuda. Psicóloga clínica e Psicoterapeuta. Licenciada em Psicologia Clínica pela ULHT de Lisboa e com pós-graduação em Consulta Psicológica e Psicoterapia. Membro efetivo da Ordem dos Psicólogos. Título de especialista em “Psicologia clínica e da saúde” atribuído pela Ordem dos Psicólogos.