Jovem basquetebolista com o trinador

Psicologia desportiva: Como apoiar os jovens atletas sem pressão

In Psicologia clinica por Tiago Marques

Hoje em dia o desporto tem uma importância gigante na formação de crianças, jovens e futuros adultos em todo o mundo. Com o crescimento do número de participantes, assistimos também a um crescimento da quantidade da qualidade do trabalho realizado nas instituições, nos mais diversos cargos. Com o maior envolvimento do ser humano numa determinada atividade, surgem fatores de risco para o desenvolvimento. Um deles, segundo o que os estudos nos apontam, é precisamente o feedback e visualização de comportamentos menos saudáveis, a que estes atletas estão permeáveis.

A importância da presença familiar no desporto

Um dos determinantes da qualidade do contexto onde os jovens atletas se inserem tem a ver com a família (Andrade, 2013).

Segundo os estudos feitos nesta área, a principal conclusão identificada é que o desenvolvimento das capacidades de um atleta se encontra associado com as dinâmicas familiares que o rodeiam (Gomes, 2010).

Os pais representam o principal veículo de promoção das práticas desportivas dos jovens, sendo este um importante canal de comunicação entre pais e filhos (Smith & Dorsch, 2015). Os pais influenciam os filhos, podendo motivá-los, valorizá-los, instruí-los ou criticá-los. 

Se por um lado, a influência positiva dos pais pode promover uma autoimagem positiva, maior autoestima, aumento de responsabilidade, práticas de fair play, percepções de maior competência, a sensação de autoeficácia, a sensação de prazer e divertimento dos filhos (Gomes, 2010). Por outro lado, quando este processo de influência é essencialmente de natureza negativa, os pais e familiares poderão ser a principal fonte de ansiedade, desmotivação, frustração e abandono da prática desportiva dos jovens (Serpa & Teques, 2013).

Pais influenciam a autoestima dos atletas

Nenhum papel no desporto é mais importante do que a capacidade dos familiares para estabelecer um ambiente emocional propício à participação desportiva dos atletas. O comportamento dos familiares é fundamental no desenvolvimento dos filhos no desporto, pois as suas ações afetam a forma como os filhos olharão para as experiências.

Quando estes demonstram entusiasmo e apoio incondicionais, estão presentes as bases para um ambiente motivacional e benéfico para os jovens. Por outro lado, críticas e pressões, bem como expectativas irrealistas “o meu filho será o próximo craque e é um investimento, irei faturar milhões com ele”, afetam de forma negativa o autoconceito, a autoestima e motivação do próprio atleta, o que podem levar ao abandono da prática desportiva.

Limites e papéis no desporto

Naturalmente é difícil para quem acompanha os atletas perceber a diferenciação de papeis e limites do que é efetivamente saudável fazer ou não no contexto desportivo. Não só porque os pais por vezes têm um papel ativo nos próprios clubes, mas também porque é difícil ver os jovens numa arena pública expostos ao escrutínio, feedback e avaliação dos outros.

Não obstante, num artigo publicado numa revista de psicologia do desporto aplicada por Knight et al. (2011), foi dado ênfase ao que na minha percepção enquanto psicólogo é o mais importante no desporto. A perspectiva dos próprios atletas!

De forma breve, neste estudo, foi questionado aos atletas como eles gostariam que os seus pais se comportassem ou não no contexto desportivo. Uma das necessidades que os atletas sentiam era precisamente “não queremos conselhos técnicos e táticos por parte da bancada”. Com o apelidado “feedback de bancada”, é criada uma dinâmica de feedback contraditório e confuso, onde o atleta se vê num confronto de lealdades. Num lado tem uma pessoa significativa para a sua vida a dizer para se comportar de uma determinada forma, fazendo pressão noutro tem o treinador, uma figura de responsabilidade e que de certa forma retrata o compromisso para com uma equipa inteira, a dizer para fazer de outra. 

Como apoiar o atleta sem pressões

É uma posição ingrata para o atleta, onde sente que não quer falhar com o desejo de nenhum e possivelmente a forma como se sente, confuso, deslocar-se-á para a própria performance desportiva. Há uma congruência entre o que pensamos, sentimos e fazemos. Um atleta pensando e selecionando qual o feedback a que irá respeitar, sentir-se-á possivelmente confuso, ansioso por não encontrar uma resposta que lhe pareça certa, o que levará a um comportamento e performance desorganizada e incongruente com as suas reais capacidades.

Não é saudável para um atleta estar repetidamente a receber indicações e críticas pelas suas ações, como em qualquer dimensão das nossas vidas.

Não há maior pressão e crítica do que a que colocamos a nós próprios. Portanto, a pressão e críticas extra de pessoas importantes, é um não obrigado que os atletas deste estudo referem. É importante que os familiares demonstrem que está tudo bem em termos inseguranças e estarmos desconfortáveis. Não podemos ter competência sem falhar, sem tenta de novo.

O que o atleta precisa para o seu desenvolvimento?

Existem alguns princípios básicos importantes a ter em conta por quem acompanha os atletas, segundo Andrade (2013):

  • Procurarem proporcionar oportunidades desportivas aos jovens;
  • Se sintam felizes com a participação dos filhos no desporto, mas não façam depender essa felicidade dos resultados ou da performance do filho;
  • Valorizem uma prática desportiva baseada na satisfação pessoal e no divertimento;
  • Não esperem que os filhos atinjam os objetivos que os próprios pais não foram capazes de atingir;
  • Participem nas atividades do clube, mas de forma moderada, tentando não interferir com as diretrizes do clube e dos treinadores;
  • Sejam um modelo de comportamento desportivo e social para os seus filhos:
  • Deixem o treino para os treinadores;
  • Orientem os filhos sem os pressionar;
  • Ajudem os filhos a estabelecer objetivos desportivos realistas e consistentes;
  • Mostrem interesse pela participação dos filhos no desporto;
  • Reforcem o esforço e a progressão e não os resultados obtidos;
  • Percebam que, por vezes, os atletas mais jovens precisam de fazer pausas na competição;
  • Reforcem a aquisição de competências de vida, tais como a disciplina e o esforço;
  • Se deem conta que a sua atitude e comportamentos influenciam a performance dos jovens;
  • Eduquem e incentivem os seus filhos a praticar desporto segundo as regras;
  • Sejam capazes de encorajar os filhos regularmente;
  • Sejam promotores de autonomia e responsabilidade;
  • Ensinem os seus filhos que a única coisa que podem controlar é o seu próprio esforço;

O que os atletas sentem que precisam por parte dos familiares? (Knight et al., 2011)

  • Comentarem o esforço e atitude destes;
  • Respeitarem a etiqueta e valores do desporto;
  • Comportamentos não verbais e comentários de apoio;
  • Ajudarem na preparação física e mental. Por exemplo: “Precisas que te ajude com alguma coisa?”; “vai correr bem, vais conseguir”;
  • Incentivar toda a equipa: valorizar performances gerais em vez de individuais;
  • Focar no esforço em vez do resultado;
  • Interagir positivamente com os atletas durante o jogo;
  • Gerirem as suas próprias emoções (familiares e acompanhantes);
  • Fornecer feedback pós jogo positivo e realista – Por exemplo: “Tiveste um ótimo jogo”, mas segundo os atletas: “não quero que me digam que fui o melhor quando sei que não estive tão bem como gostaria. Gosto que me apoiem, mas não ao ponto de mentir”
  • Deem espaço. ex: “Se e quando quiseres falar sobre o jogo eu estarei aqui;

O que os atletas sentem que não precisam por parte dos familiares? (Knight et al., 2011):

  • Discutir com o árbitro;
  • Não ser treinador de bancada;
  • Pressão indesejada;
  • Conselhos técnicos e táticos;

Diferenciação entre suporte e pressão no desporto

“Em alguns casos, no entanto, é frequente os pais terem a sua própria agenda. Nestes casos os pais parecem ter motivações próprias, tentando induzir os seus filhos a praticar um determinado desporto ou a atingirem determinados níveis de performance. É neste contexto que muitas vezes surge a «pressão parental»” – Andrade, 2013

Este é um conceito definido como sendo um comportamento percebido pelos atletas como uma expectativa pouco provável ou até inatingível de performance (Hoyle & Leff, 1997). Quando os jovens começam a competir, naturalmente manifestam entusiasmo e interesse. É imprescindível que os pais apoiem os filhos, mas é ainda mais importante que saibam distinguir entre apoio e pressão!

Exemplos de frases de pressão

Punição e repreensão/críticaTens de ouvir o que te digo senão não consegues ser o melhorse continuares assim não vais ser bom o suficiente
Comparação de performancesO teu colega fez 5 golos e tu só fizeste 2
Foco no que o atleta deveria ter feitoDevias ter rematadoPara a próxima faz assim e assim
Resultados e performances/
expectativas irrealistas
O que importa é ganhar por muitosTens de jogar bem, quero que sejas o melhor

Exemplos de frases de suporte

Colocar questões como:Precisas de falar?
Precisas de tempo para ti?
Houve algo que aprendeste hoje?
Qual foi o momento mais difícil/melhor momento e que queiras partilhar?

A importância do acompanhamento Psicológico

Tendo em conta tudo o que fomos abordando e a atual exigência do desporto, percebemos que não é só a capacidade física que define a performance e o bem-estar, mas também indissociavelmente a disponibilidade e capacidade mental para permanecer num contexto por vezes tão desafiante. O acompanhamento psicológico ajuda o atleta a:

  • Perceber as suas motivações e como estas influenciam o desempenho;
  • Gestão da pressão, fornecendo estratégias para gerir as expectativas, a ansiedade e o stress;
  • Gestão de emoções desagradáveis como a raiva, tristeza, medo e frustração;
  • Trabalhar a resiliência, auxiliando o desenvolvimento pessoal do atleta e a sua autoconsciência (que pode depois ser transportada para as suas várias dimensões da vida e não apenas o contexto desportivo).

O acompanhamento psicológico ajuda o atleta a gerir as suas emoções, dúvidas e incertezas que são inerentes ao desporto, e que muitas das vezes aparecem sob a forma de interrogações e pensamentos intrusivos e desconfortáveis. Estes acabam por afetar o seu comportamento, prática desportiva e o seu bem-estar.

“Querer ganhar é algo naturalmente humano, até porque ganhar sabe sempre melhor que perder. Mas, quando a atitude dos pais se concentra demasiado nas vitórias, estes parecem perder o foco daquilo que é realmente importante. Que a prática desportiva seja um veículo de aprendizagem de competências para a vida”. (Andrade, 2013).

Se imaginarmos um jogo de futebol como uma peça de teatro, quem são os figurantes essenciais? Os atletas. No meio desafiante do desporto, por vezes, a família esquece-se disto e toma as dores como sendo suas. E está aqui um valor muito bom e saudável, a empatia e compaixão pelo outro, no entanto a concretização acaba por ter o efeito adverso de condicionar a forma como o atleta se sente.

Como apoiar os atletas sem pressão

Por muito que doa, por vezes é preciso perceber se a nossa presença está a ir ao encontro do que o atleta precisa. E por vezes é necessário questionar “É importante para ti que eu vá? Está tudo bem independentemente da resposta!”; “Filho/a eu quero que faças o que queres não o que eu quero, é sobre ti, não sobre mim”. E por vezes é preciso aceitar que os nossos jovens não querem que os vejamos a jogar naquele dia, no entanto não significa que passadas umas jornadas para o campeonato eles não cheguem ao pé de nós e nos digam um “gostava que fosses ver este jogo”.

Que transmitamos um apoio incondicional e não condicional (“só vou ver quando jogas”), pois é fácil para os jovens a formulação da crença que o sucesso, desempenho elevado e expectativas dos outros são condição para o valor próprio.

Dr. Tiago Marques/Psicólogo Clínico © Psicoajuda – Psicologia certa para si, Leiria

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Sobre o Autor

Tiago Marques