A anorexia, ou doença de distúrbio alimentar, afeta cada vez mais adolescentes. Quais os sintomas e como os pais podem ajudar?
Vivemos numa sociedade onde a imagem exterior é sobrevalorizada, daí ser imperativo apresentar um corpo esbelto e atrativo, com a pretensão de assim se conseguir alcançar os objetivos desejados, quer a nível pessoal, quer a nível profissional.
Este apelo é sobre vinculado pela comunicação social, em particular por determinadas “revistas de sociedade”, onde figuram as “estrelas da moda”, com planos dietéticos, exercícios físicos e outras receitas para conseguir os tão desejados corpos esbeltos. São passados os anúncios em que figuras públicas revelam as receitas “milagrosas” para um corpo tão atrativo. E é este ambiente de (des)informação que serve de referência a muitos adolescentes, em que o apelo à magreza se encontra diretamente associado ao conceito de beleza.
Mas se há adolescentes que, uma vez alcançado determinado peso ideal, se consideram satisfeitos e cessam os seus comportamentos dietéticos, outros, pelo contrário, nunca alcançam a satisfação total e continuam numa luta interminável por um peso sem limites mínimos.
Daqui se definir a fronteira que separa os hábitos dietéticos normais da anorexia, considerando-se assim o adolescente que ultrapassa esta fronteira como sendo anorético, ou seja, com o comportamento de distúrbio alimentar.
O que é a anorexia
Acontece que quando o adolescente se encontra na fase de criação da sua própria identidade, valoriza em excesso a mensagem de como obter uma imagem corporal esbelta, dai o seu desejo em emagrecer, pois pensa que assim estará a conseguir maior reconhecimento dos outros, reforçado pelo fato de obter apreço dos seus amigos e próprios familiares sempre que consegue emagrecer.
Esta doença afeta principalmente raparigas e mulheres jovens, dos 12 aos 25 anos de idade, sendo muito rara entre os rapazes. Caracteriza-se por levar ao extremo a capacidade de autocontrolo na ingestão de alimentos, em que a fome passa a ser uma constante e dela a adolescente obtém o mérito ansiado.
A par da redução de calorias, a jovem anorética intensifica o exercício físico, bem como reduz ao mínimo os períodos de repousos e o sono noturno. E daqui, desta total atenção na imagem e na alimentação, sempre que este autocontrolo é mantido, a adolescente obtém a satisfação e reconhecimento pessoal interno, fazendo perpetuar estes hábitos.
Até que chega o dia em que perde o controlo e quebra o duríssimo regime, comendo muito mais do que aquilo que se permite a si própria. Este fenómeno é muitas vezes o princípio de uma série de crises de fome incontrolável: a anorexia transforma-se em bulimia.
Assim, a jovem ao tomar consciência da quebra do autocontrolo, induz o vómito ou recorre a laxantes para, assim, voltar a sentir a suposta limpeza e esvaziamento do corpo.
Há a referir que tanto a bulimia se desenvolve em consequência da anorexia, como pode surgir como uma doença independente.
Quais os sintomas da anorexia?
A fome e o desejo de responder ao ideal de beleza atual, levam a anorética a estabelecer para si própria regras extremamente rígidas, sendo que o peso da anorética oscila geralmente entre os 85% e 45% abaixo do peso ideal para a sua altura.
A anorética aumenta a prática de exercício físico com a finalidade de consumir mais calorias, produzindo até certo ponto um equilíbrio negativo, isto é, são consumidas mais calorias do que aquelas que são ingeridas.
Os comportamentos compulsivos de controlo da balança, da limpeza, do palpar constantemente certas áreas do corpo também são frequentes.
A anorética muitas vezes manifesta amenorreia (ausência de menstruação). Verifica-se igualmente uma descida da tensão arterial que induz tonturas e sensação de fraqueza, obstipação e prisão de ventre, hipotermia, pele seca, escamosa e sem elasticidade, unhas quebradiças e queda de cabelo, edemas, fraqueza muscular e dificuldade de concentração.
Quais os sintomas da bulimia?
Os pacientes bulímicos podem ter um peso demasiado baixo, normal ou demasiado alto. Apresentam acessos de fome descontrolada, vomitando de seguida, várias vezes por dia. Tal provoca, além dos sintomas supra enumerados da anorexia, ferimentos na garganta, problemas dentários (queda dos dentes, erosão do esmalte e cáries) e inflamações das glândulas salivares.
Fonte: vernonaharris.com
O que leva certos jovens a adotar comportamentos anoréticos e/ou bulímicos?
É necessário todo um conjunto complexo de circunstâncias para transformar uma jovem adepta de curas de emagrecimento numa anorética ou numa bulímica. Os fatores biológicos, familiares e socioculturais são determinantes.
No que toca à dinâmica familiar, a maior parte das doentes que sofrem de distúrbios alimentares provém de famílias aparentemente sãs, cujo estilo de vida se orienta com base em convenções, sentido de dever, conceitos de eficácia e de moral. Os desentendimentos são silenciados e as emoções não são valorizadas. O pai assume o papel de sustento da família, não admitindo que o questionem e a mãe dedica-se por inteiro às suas múltiplas tarefas. O exemplo de uma vida cheia de deveres, renúncia e abdicação de si mesma, dado pela mãe, provoca em muitas jovens o receio de crescer e se tornar igual.
Relativamente às caraterísticas de personalidade da futura anorética, tem tendência a procurar alcançar sempre o máximo de perfeição e eficiência, já que anseia por reconhecimento. Sente-se responsável pela felicidade e bom ambiente familiar, dado o profundo sentimento de gratidão e a relação simbiótica que normalmente estabelece com a mãe, que encerra uma pressão no sentido de o erro não ser permitido.
Assim, na limitação da liberdade, a jovem fica impedida do desabrochar individual correspondente à sua idade. Assim sendo, tudo faz para agradar o outro como forma de compensar a sua baixa autoestima e aparentar a segurança desejada.
Tratamento da Anorexia/Bulimia
Tanto a anorexia como a bulimia são doenças graves do foro psíquico. Qualquer cura passa necessariamente pela psicoterapia, tanto mais prolongada, quanto mais complexo for o problema.
No tratamento da anorexia e bulimia, torna-se imperiosos trabalhar quatro pontos fundamentais:
- Identificar a função desempenhada pela anorexia (ou seja, o que faz perpetuar os atos anoréticos/bulímicos)
- Perceber a história da evolução da doença na procura da essência do problema
- Transmitir a convicção que a jovem tem o direito à sua privacidade e assumir-se a jovem como ser único
- Construção de uma forma mais realística de encarar a vida
Assim, a primeira fase de qualquer processo psicoterapêutico é o reconhecimento do problema, por mais doloroso que seja admiti-lo. Se as perturbações alimentares se associam a um vazio afetivo, há que procurar causas e encontrar soluções saudáveis para impedir um bloqueio de desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social numa fase de transição, tão crucial na vida dos adolescentes.
Reflexões de alguns anoréxicos
As palavras de alguns anoréxicos podem parecer absurdas, mas são a manifestação do seu transtorno psíquico. Transcrevemos algumas das frases de testemunhos reais de anoréxicos e que são apresentadas no livro “Anorexia e Bulimia” de Monika Gerlinghoff e Herbert Backmund:
«A anorexia é a minha vida»
«Sem a anorexia não sou ninguém»
«A anorexia faz de mim alguém»
«A anorexia dá-me segurança e sentido à minha vida»
«A anorexia dá-me força e poder»
Estas frases destinam-se sobretudo a ajudar o leitor a perceber e decifrar a lógica e linguagem desta doença. Ainda nesse livro é apresentado o testemunho de uma anoréctica a explicar a razão do seu comportamento:
O objetivo essencial da minha fome consiste em provocar a preocupação dos meus pais. Nenhum pai fica indiferente perante uma filha que morre de fome diante dos seus olhos. Obrigava-os assim a confrontar-me e a discutir comigo, não por causa das minhas notas ou da minha inteligência, como até ai, mas por causa do meu interior. Queria ser finalmente aceite, queria que me vissem como eu realmente era. Eles tinham que me compreender como pessoa, coisa que até então não tinham feito. A fome era uma forma de protesto e de revolta contra a forma como me tratavam. Não queria ser perfeita, queria ser eu mesma.
Testemunho de uma anoréctica
A PsicoAjuda quis saber o que algumas adolescentes sabem sobre o tema
A PsicoAjuda efetuou um inquérito junto de algumas jovens que moram na cidade de Leiria. Colocamos 5 questões em que tentamos averiguar: 1) se elas se preocupavam com a imagem corporal; 2) se faziam algum tipo de dieta; 3) se praticavam algum exercício físico; 4) se dialogavam com os pais sobre hábitos alimentares e a imagem corporal; 5) e se sabiam o que era a anorexia e bulimia e quais as suas consequências.
Da análise das respostas das jovens, concluímos que a maioria dava grande importância à imagem corporal e tinha cuidado com a alimentação. Contudo, a maioria não praticava qualquer atividade física, com a exceção da atividade praticada na escola. Também notamos que quase todas não conversavam sobre estes temas com os pais. Salientamos ainda que todas afirmaram saber o que era a anorexia e a bulimia, mas contudo não mencionaram as consequências destas duas doenças psicológicas.
Deste inquérito sobressai a resposta de uma jovem que está neste momento num processo de bulimia. Refere que foi muito influenciada pelas amigas, uma vez que pretendia ter uma imagem semelhante à delas. Apesar de ter tentado mudar o seu aspeto físico, através de dietas, exercício físico ou maquilhagem, nunca conseguiu ter um aspeto que lhe agradasse. Dai ter começado com problemas de bulimia.
Concluímos que, das respostas a este inquérito, ainda existe um grande desconhecimento sobre estas doenças psicológicas e somente quem está a vivenciar um processo destes conhece as reais consequências. Verificamos ainda que a maioria das jovens não conversa sobre estes temas com os pais.
Elisabete Condesso / Psicóloga e Psicoterapeuta
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